Por Cecília de Castro Algayer ( Minha aluna do 1º ano do Ensino Médio da Escola Ulbra- Concordia. Essa foi uma crònica elaborada a partir de uma atividade proposta em sala de aula. Aproveitem o texto, e boa Leitura!
É pedir demais querer
que eu dê um título a isso
Debruçada sobre o caderno, ouço um tic-tac irritante. Assustada,
pergunto-me quando foi que o meu celular começou a fazer esse barulho, até ver
o relógio de pulso sobre a escrivaninha. Reviro os olhos para mim mesma. Não
tenho andado bem esses dias.
Acabo erguendo os olhos, previamente revirados, na direção do relógio
Mickey Mouse. Repreendendo Alice mentalmente por deixar suas coisas
esparramadas pela casa, acabo me lembrando de que estou na escrivaninha dela. Ela
tem todo o direito de entupi-la com suas tranqueiras. Suspiro.
Levanto-me, olho pela janela, me jogo na cadeira. Empurro-me sobre suas
rodinhas até a cozinha, numa letargia pesada. Abro a geladeira. Mas só há
comida, e eu sinto que, no meu caso, o mais adequado seria engolir um
dicionário.
Por que é tão difícil? Certamente não era ontem; eu havia chegado a
escrever razoavelmente bem na noite anterior. Volto cabisbaixa para a
escrivaninha. Devo estar doente. O temível bloqueio criativo chegou? Oh deuses,
não, não. Eu não mereço isso agora, meu livro estava indo tão bem. Percebo que
estou riscando com a caneta um Garfield de plástico.
Será que, sem escrever, me tornarei tão vazia como ele? O reviro em
minhas mãos, tentando tirar os riscos esfregando meu polegar nos rabiscos, mas
só conseguindo espalhar a tinta. O aperto. Ele é de plástico, mas oco, e o ar
sai por um buraquinho.
Esse sou eu? Apertando-me de concentração para escrever o que foi pedido
e conseguindo apenas isso, nada? Ar? Largo o Garfield na mesa, e o encaro. Ele
está com os braços cruzados e as pálpebras caídas, numa autoconfiança tediosa.
Não gosto do modo como ele me encara.É quase uma zombaria face à minha
incapacidade. Viro-o de costas.
Quase posso ouvi-lo rir.
Frustrada, apóio o rosto nas mãos e me pergunto se esse é o fundo do
poço, ficar brava com seres inanimados. Viro o Garfield de volta para mim.
Quando o encaro bem, ele nem parece estar olhando para mim. Seu olhar é vidrado
– ou plastificado? – em um ponto que não sou eu. Levanto-o alto, sobre a minha
cabeça, e nem assim ele parece olhar para mim. Confusa, coloco-o sobre a
escrivaninha novamente.
Ele parece olhar para baixo, e eu sigo seu olhar.
A folha está, milagrosamente, cheia.
Essa folha.
Da tinha escorreu incoerência, eu bem sei, desde que eu nem havia me
preocupado em pensar antes de riscar a folha. Leio algumas palavras, há erros e
letras incompreensíveis.
Ergo os olhos para Garfield, e ele continua olhando para baixo. De
alguma forma, entretanto, sua mensagem surge bem clara.
“Vê?”, ele parece dizer, com os braços cruzados, como se fosse o CEO da
minha mente. “Não é sobre você.”
É sobre o quê, então? O que me faz escrever quando estou divagando? Por
que quero escrever tudo o que penso, como quem tenta pegar, com as mãos em
concha, cada gota de chuva?
Se isso não é sobre mim, não sei sobre o que é. Talvez todas as pessoas
sejam assim. Talvez elas não saibam. Talvez haja uma deformação no meu cérebro,
talvez haja uma usina nuclear lá dentro. Talvez seja perigoso conhecermos a nós
mesmos tão bem a ponto de podermos ter certeza de que não há uma usina lá.
Talvez seja melhor parar de pensar. Isso pode explodir um reator lá dentro.
Talvez eu esteja morta e nem saiba. Talvez eu enxergue as cores de forma
diferente dos outros. Talvez minha inteligência seja medida em Hertz. Talvez eu
não seja inteligente. Talvez eu nem seja humana.
As linhas estão acabando.
Talvez não seja importante.
Conseguirei ter arrastado as palavras até o objetivo? A vermelhidão no
dedo que apóia a caneta terá valido a pena?
Fecho os olhos e as palavras reverberam como um trovão. Está chovendo?
O corpo humano é regido pela mente, mas o que é a mente?
É uma usina que explode periodicamente, e depois descansa, como um
dragão adormecido, para então voltar à ativa, tão violenta como antes.
As conseqüências e danos de várias usinas espalhadas pelos séculos ecoam
pelo mundo, enquanto um Garfield de plástico sorri satisfatoriamente e um
tic-tac irritante volta a ser percebido.
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