quinta-feira, 29 de novembro de 2012


Por Cecília de Castro Algayer ( Minha aluna do 1º ano do Ensino Médio da Escola Ulbra- Concordia. Essa foi uma crònica elaborada a partir de uma atividade proposta em sala de aula. Aproveitem o texto, e boa Leitura!

É pedir demais querer que eu dê um título a isso


Debruçada sobre o caderno, ouço um tic-tac irritante. Assustada, pergunto-me quando foi que o meu celular começou a fazer esse barulho, até ver o relógio de pulso sobre a escrivaninha. Reviro os olhos para mim mesma. Não tenho andado bem esses dias.
Acabo erguendo os olhos, previamente revirados, na direção do relógio Mickey Mouse. Repreendendo Alice mentalmente por deixar suas coisas esparramadas pela casa, acabo me lembrando de que estou na escrivaninha dela. Ela tem todo o direito de entupi-la com suas tranqueiras. Suspiro.
Levanto-me, olho pela janela, me jogo na cadeira. Empurro-me sobre suas rodinhas até a cozinha, numa letargia pesada. Abro a geladeira. Mas só há comida, e eu sinto que, no meu caso, o mais adequado seria engolir um dicionário.
Por que é tão difícil? Certamente não era ontem; eu havia chegado a escrever razoavelmente bem na noite anterior. Volto cabisbaixa para a escrivaninha. Devo estar doente. O temível bloqueio criativo chegou? Oh deuses, não, não. Eu não mereço isso agora, meu livro estava indo tão bem. Percebo que estou riscando com a caneta um Garfield de plástico.
Será que, sem escrever, me tornarei tão vazia como ele? O reviro em minhas mãos, tentando tirar os riscos esfregando meu polegar nos rabiscos, mas só conseguindo espalhar a tinta. O aperto. Ele é de plástico, mas oco, e o ar sai por um buraquinho.
Esse sou eu? Apertando-me de concentração para escrever o que foi pedido e conseguindo apenas isso, nada? Ar? Largo o Garfield na mesa, e o encaro. Ele está com os braços cruzados e as pálpebras caídas, numa autoconfiança tediosa. Não gosto do modo como ele me encara.É quase uma zombaria face à minha incapacidade. Viro-o de costas.
Quase posso ouvi-lo rir.
Frustrada, apóio o rosto nas mãos e me pergunto se esse é o fundo do poço, ficar brava com seres inanimados. Viro o Garfield de volta para mim. Quando o encaro bem, ele nem parece estar olhando para mim. Seu olhar é vidrado – ou plastificado? – em um ponto que não sou eu. Levanto-o alto, sobre a minha cabeça, e nem assim ele parece olhar para mim. Confusa, coloco-o sobre a escrivaninha novamente.
Ele parece olhar para baixo, e eu sigo seu olhar.
A folha está, milagrosamente, cheia.
Essa folha.
Da tinha escorreu incoerência, eu bem sei, desde que eu nem havia me preocupado em pensar antes de riscar a folha. Leio algumas palavras, há erros e letras incompreensíveis.
Ergo os olhos para Garfield, e ele continua olhando para baixo. De alguma forma, entretanto, sua mensagem surge bem clara.
“Vê?”, ele parece dizer, com os braços cruzados, como se fosse o CEO da minha mente. “Não é sobre você.”
É sobre o quê, então? O que me faz escrever quando estou divagando? Por que quero escrever tudo o que penso, como quem tenta pegar, com as mãos em concha, cada gota de chuva?
Se isso não é sobre mim, não sei sobre o que é. Talvez todas as pessoas sejam assim. Talvez elas não saibam. Talvez haja uma deformação no meu cérebro, talvez haja uma usina nuclear lá dentro. Talvez seja perigoso conhecermos a nós mesmos tão bem a ponto de podermos ter certeza de que não há uma usina lá. Talvez seja melhor parar de pensar. Isso pode explodir um reator lá dentro. Talvez eu esteja morta e nem saiba. Talvez eu enxergue as cores de forma diferente dos outros. Talvez minha inteligência seja medida em Hertz. Talvez eu não seja inteligente. Talvez eu nem seja humana.
As linhas estão acabando.
Talvez não seja importante.
Conseguirei ter arrastado as palavras até o objetivo? A vermelhidão no dedo que apóia a caneta terá valido a pena?
Fecho os olhos e as palavras reverberam como um trovão. Está chovendo?
O corpo humano é regido pela mente, mas o que é a mente?
É uma usina que explode periodicamente, e depois descansa, como um dragão adormecido, para então voltar à ativa, tão violenta como antes.
As conseqüências e danos de várias usinas espalhadas pelos séculos ecoam pelo mundo, enquanto um Garfield de plástico sorri satisfatoriamente e um tic-tac irritante volta a ser percebido.

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